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domingo, 26 de março de 2017

Ministério Público mira 26 matadouros pernambucanos, o de Carnaíba está entre eles


Um galpão no meio de um descampado é a primeira vista que os olhos alcançam do cenário de uma matança. Os urubus insistentes e o cheiro forte conduzido pelo vento são só os primeiros e incômodos sinais da irresponsabilidade que está prestes a se revelar. Por trás das paredes com pintura desgastada, carne bovina é manipulada sem que o mínimo de higiene pareça ter significado. Cães conformados com as vísceras que carregam na boca deitam-se sob a sombra.
Dois funcionários que persistem no local recolhem e guardam materiais que ainda serão usados mais duas vezes ao longo da semana. Em poucos dias, o curral estará cheio de gado novamente, o mesmo cuja carne chegará a mesas não muito distantes dali. A poucos metros dali, urubus sobrevoam o curral, já sem bois após uma madrugada de matança. Estão interessados nas carcaças de chifres e cabeças descartadas próximo ao matadouro.
Razoável seria se essa situação, encontrada no Matadouro Público de Jurema, no Agreste de Pernambuco, fosse uma exceção. Não é. Se o Brasil ficou chocado com os resultados da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que investiga crimes que macularam a credibilidade da produção de frigoríficos grandes e donos de marcas conhecidas, por outro lado, parece negligenciar a décadas o que ocorre em abatedouros públicos em situação precária no Estado.
O de Jurema foi interditado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) um dia após a Folha de Pernambuco ir ao local. Pelos menos outros três tiveram as portas cerradas neste ano por condições precárias entre eles os de Floresta e Carnaíba, no Sertão, e São João, no Agreste. Outros 26 tiveram o pedido de fechamento feito por promotores. E nos últimos seis anos, 57 estabelecimentos do tipo foram interditados ou desativados por irregularidades semelhantes.
“Verificamos que muitos matadouros funcionam há anos gerando riscos ao meio ambiente e com ilegalidades em todo o processo sanitário, o que é um risco evidente à saúde do consumidor. Do jeito que está não pode continuar", avalia a promotora Liliane Fonseca, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça (Caop) de Defesa do Consumidor do MPPE.
Em parceria com promotorias municipais, a instituição desenvolve, desde 2011, o programa Carne de Primeira, que já resultou em 19 inquéritos civis e 24 ações civis públicas acerca de matadouros em situação irregular.
Normas 
Para funcionar de forma adequada, um matadouro deve atender normas não só relativas à qualidade da carne, mas ambientais e trabalhistas. O de Jurema parece padecer de boa parte dos males gerados pela falta de atenção a essas regras. A água residual do abate, imunda, corre por vários sulcos na terra. Cachorros defecaram próximo à porta do estabelecimento, perto de onde as carnes costumam ser manipuladas. Moscas estão presentes às dezenas, atraídas pela sujeira.
Com um misto de vergonha e resignação, um funcionário do matadouro resmunga: "É isso aqui que alimenta a boca de dez famílias". Servidor público que é, não teme propriamente por si, mas pelas pessoas que, indiretamente, se beneficiam da atividade precária: negociadores de gado, vendedores e até mesmo pedintes em busca de sobras as terças, sextas e sábados, dias de matança dos bois. O matadouro foi interditado na última quarta-feira, um dia após a visita da reportagem da Folha de Pernambuco ao local.
Conforme a promotora de Justiça de Jurema, Mariana Cândido, o estabelecimento será alvo de uma reunião daqui a 15 dias para avaliar a adoção de medidas. Por enquanto, o abate passará a ser feito em Canhotinho.
“Um inquérito civil foi instaurado para apurar essa situação. Sabemos que a atividade de abate é naturalmente poluente e tem manutenção muito cara. Já era difícil e, com a crise, ficou ainda mais”, avaliou. Nenhum representante da prefeitura foi encontrado pela reportagem in loco ou por telefone.

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